5.06.2002

O braço do 5º Poder

No limiar do 21º século, é notório que quase ninguém sabe quem manda em quê, neste país à beira-mar despreocupado.

A realidade é que uma classe mandante e profissionalmente discreta labora incessantemente por detráz dos seus homens-de-mão, cuidadosamente escolhidos e estratégicamente colocados nos cargos públicos para "darem a cara" (enquanto a elite se entretem nos seus sumptuosos hotéis a dar outra coisa), qual Truman Show sinistramente real.
E a prova disto é que o próprio Primeiro Ministro não faz o que quer. Este, fartou-se de prometer um "choque fiscal" e ele de facto aí está… mas de sinal contrário.

*Quem controla o Governo?*

O Primeiro-Ministro não é, está visto.
Justificando-se ora com a conjuntura interna ora com a externa (com aquilo que lhe der mais jeito), os PMs sempre deram os golpes-de-rins necessários, na estrita obediência a quem de facto escolhe as políticas a implementar – a Alta-Finança nacional. Em Portugal, esta é liderada, mas não monopolizada, pelo grupo BCP de Jardim Gonçalves (JG).
Chamemos-lhe hierarquicamente o 1º poder.

É claro que esta "modesta" Alta-Finança nacional (comparticipada ainda assim por grandes grupos financeiros Espanhóis, Franceses Belgas e Suiços) se alicerça nos grandes negócios internacionais e "descansa" em todos os off-shores, imensos paraísos fiscais em que os triliões rodam permanentemente à ganância, sem que os Estados que os vêem passar à frente do nariz recebam mais que uma mera migalha do que deveriam cobrar por idêntico volume de transacções e lucros reais.
Um dia, Carlos Carvalhas e seus camaradas(?) perceberão, esperemos que ainda durante este século, que isto sempre assim funcionou. Não é de agora.

A este 1º poder, contudo, também não lhe será permitido evoluir desmesuradamente, porque o verdadeiro Grande Poder nunca deixará. Se JG continuar a crescer permanentemente fora de portas para além de um limite tácitamente aceite pelos seus pares, algum Gigante Financeiro o absorverá, de imediato.
JG ficará comodamente sentado na presidência de um Grupo Ibérico e receberá as suas directrizes dos Estados Unidos, naturalmente.

(aparte: Nessa altura já Paulo Portas pertencerá aos quadros do BCP, tal como Murteira Nabo, os filhos do Belmiro e António Guterres, entretanto despedido do privatizado IPE).

E porquê dos Estados Unidos, perguntará um despreocupado (português) leitor?
Porque é ali que se produz a Informação a difundir.
Daí provêm as directivas estratégico-financeiras; é ali que se elabora a planificação global do planeta.
Nos EUA se decide quais os países a apoiar, quais as populações a abandonar, quais as armas a vender, os conflitos a fomentar, e quais os terroristas a arcar com as culpas.
Tudo com o sublime propósito da "safeguard of Freedom and Human Rights", o que significa, em português: perpetuar o domínio do Tio Sam sobre a Terra.
Só não se decidiu nos EUA (e mesmo assim, não sei…) foi o 11 de Setembro.

*O 4º Poder*

Olhemos para o Fluxograma e para Portugal, hoje:
A Alta-Finança controla os Governos e a Justiça. Os governos tentam influenciar, por seu turno, a mesma Justiça.
Esta, não influencia absolutamente nada. Nem sequer os comportamentos sociais da população anónima.

(A Justiça portuguesa, pela sua inacção e somatório histórico de erros crassos, está absolutamente esvaziada de credibilidade e ética, neste momento. É vista pela generalidade da população como um mero jogo de azar em que ganhar ou perder, ser-se sentenciado como criminoso ou herói é perfeitamente aleatório).

Bruxelas dirige os Governos. Traça as directivas comunitárias a que todos os Estados membros se obrigam, no desafinado Concerto das Nações.
O Governo controla, pelo menos aparentemente, o Aparelho de Estado civil e militar.
A Mega-Finança Americana domina todos os anteriores à distancia, não se fazendo rogada em influenciar, pontualmente, os governos, os destinos dos povos e seus territórios, de acordo com os seus "legítimos" interesses estratégicos, no momento.

E temos convivido com um 4º poder – o dos média – que até aqui tem contribuído para "equilibrar o barco", fazendo grande contenção a muitos dos exageros dos governos e seus patrões.
Apenas o risco da exposição pública da corrupção generalizada a tem obrigado a obedecer a alguma discrição e a efectuar a maior parte dos recuos. A desaparecer este risco, o país transformar-se-ia numa selva de predadores em plena acção à luz do dia, num cenário dantesco de consequências inimagináveis.

Sabemos que os Governos, as Câmaras e as Polícias SÓ acorrem prontamente a resolver os assuntos mediatizados nos noticiários das TVs e nas parangonas das primeira páginas.
O resto, o que é menos visto… não é lembrado, e assim fica, ao Deus-dará.
Por isso, as populações em aflição já não recorrem aos órgãos de poder convencionais.
Recorrem à exposição e à visibilidade dos média, para resolverem rápidamente os problemas que, pelas vias burocráticas dos poderes normalmente instituídos, tarde ou nunca se resolveriam.
O 4º poder tem sido, em grande medida, o Robin dos Bosques dos pobres; o que mais tem valido aos fracos e oprimidos, neste país.

*E se um 5º poder "engolir" o 4º?*

Deparamos hoje, neste contexto, com um cenário bastante inquietante:
É que a alta Finança está a comprar os média por toda a parte, e mais rápidamente do que os espanhóis compram o Alentejo, ou que o Belmiro arrecada os milhões do Estado, o que me deixa muitas dúvidas sobre o seu verdadeiro propósito, ainda mais sabendo que este negócio – o da informação - não é da China, muito pelo contrário.
Na verdade, a maior parte dos jornais e estações de televisão convivem com passivos que não auguram grandes expectativas sobre a segurança e rentabilidade do investimento. Das 3 Estações de TV portuguesas, por exemplo, nenhuma apresentou lucros no exercício de 2000, sendo que 2 delas acumularam prejuízos na ordem dos vários milhões de contos.
Portanto, o negócio, quando falamos dos média, não é o lucro: É outra coisa.

No momento em que escrevo, a Impresa, o Grupo Lusomundo e o Grupo Media Capital controlam a quase totalidade dos média privados em Portugal: Televisões, Rádios e Jornais, dando emprego aos principais opinion-makers da Nação.

Significa que o braço do 5º Poder está já decididamente repousado sobre os ombros do 4º, e as consequências deste abraço constritor só podem revelar-se perniciosas para a livre informação, sendo que me parece esperável depreender que o Poder da informação não condicionada irá em breve começar a sofrer um processo gradual de esvaziamento ou diluíção, por forma a, pelo menos, não obstaculizar os interesses de quem realmente tudo sempre comandou.

Dá-me ideia que o valente Robin Hood está a aceitar, sem querer, um part-time nas cavalariças do Prince John.


João Tilly
1/5/2002
joao.tilly@netvisao.pt